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O brinquedo de desmontar

O brinquedo de desmontar

escrevi um conto usando um pesadelo real que sonhei de verdade, quando acordei vi que era mentira, então contei um conto de horror bem diferente do causo ocorrido em tese, supostamente escrevi um conto sobre isso, mas tremendamente diferente #guzpido classic v4.0

Guzpido Krush ex-Mestre das Artes Ocultas

A vida é curtição mas David Bowie morreu, como todos morreremos um dia. Memento mori, dizem os cientistas da fé. Mas para quê fé, quando sabe-se que ninguém vos protege nem cheira nem fede, que você não é uma flor no Universo que merece ser cuidada. Flores são flores, e ao pó voltarão. Mas flores são flores, você não é uma flor garotinha. Você é a escória de dois mundos. Se donde não podemos extirpá-la, pelo menos cá qual ESTE mundo, não mais pertencerá!! Vagabunda sempre tem quê pagá sua própria dívida; ..

Ouvia soluços infantis, mas a insanidade da coisa toda é que não eram soluços de uma criança. Tinha um relógio dentro de mim, uma empatia, uma coisa macabra até, pessimista, que me fazia ter certeza que aquilo era uma pessoa tão maltratada, com tanto medo, em tanto perigo, com dôr, soluço, soluço de alguém que está encolhendo de volta pro útero, que está aceitando morrer depressa e rápido. Dor que ninguém deveria passar nunca na vida, medo que te tira a vontade de viver, perigos normais na vida que a gente vivia em Cafelândia, naquela época. Do Café. 
O Brasil foi o último país nas Américas a abolir a escravidão, o que ocorreu em 1888. Durante séculos, o país foi o principal destino de africanos escravizados, que foram trazidos para trabalhar principalmente nas plantações de açúcar, café e nas minas. A escravidão deixou um impacto profundo e duradouro na sociedade brasileira, com consequências evidentes nas relações sociais, econômicas e culturais.

O estado de São Paulo, incluindo regiões como Bauru e Cafelândia, teve uma significativa participação na economia do café, que foi uma das principais atividades econômicas do país durante o século XIX. A produção de café era intensiva em mão de obra, e muitos trabalhadores eram escravizados. Larissa era branca como a doçura do açúcar, e eu não era negro não.

Quando me chamaram pra esse mundo, eu aceitei já tudo, como todo mundo --  diferente de Larissa. Diferente da Larissinha. A Larissa é daquelas pessoas que não reconhece Senhores nesse mundo; e não são Senhores todos do mundo para ela; não existem primeiros ou segundos; existe a Lari, Larissa e Ela. A trinidade da mesma coisa   dentro de uma mas Deus não foi quem fez ela. Só que eu não sabia disso, né. Naquela hora que me preocupei tanto.

Não quero contar a história da minha vida nem provar a lição da moral de não se envolver e não bancar herói e não se meter nunca em nada muito menos de maneira aflita.
Não quero também que esse ocorrido jamais se repita. 

Resolver o problema sério que era Larissa tinha que desenvolver uma intervenção silenciosa pelas vilas. Que nada ou ninguém ela pudesse usar para abusar ainda mais daqueles que quase a pegaram desprevinida. Tonto, eu, tonto é eu.

Era sim, 1825, nos vastos cafezais, região de Bauru, São Paulo. Uma atmosfera de riqueza e opulência pairava sobre a fazenda dos Melo, uma família abastada de fazendeiros de café. A filha mais nova, Isabella, uma jovem de cabelos claros, com seus vinte anos, destilava uma beleza que parecia mais celestial do que terrena. Seus cabelos dourados e sua pele pálida eram a inveja de todas as moças da região. Mas os moços não ousavam cobiça-la talvez nem em mente. É simples, Isabella era fantasmagórica, maligna e devassa. Era muito melhor que ela nem percebesse que você existiria no momento ou hora que ela passa.

Havia algo sinistro em Isabella. Uma aura torpe que não passava despercebida pelos olhos atentos dos empregados ou escravos da fazenda. Rumores sobre suas atividades noturnas e seu envolvimento com forças sobrenaturais começaram a se espalhar pelas senzalas e casebres dos trabalhadores. Entenda, Isabella não era terrena. Não era macumbeira. Não praticava arte voodo ou se envolvia com satanismo. Era bem pior, bem pior que isso, mais de ruim que de pior. 

Pois que aí uma noite, a fazenda foi acordada pelos gritos de terror. Isabella, possuída por uma força além da compreensão humana, vagueava pelos corredores do casarão. Seus olhos, antes radiantes, agora brilhavam com uma luz sobrenatural. Os empregados, apavorados, murmuravam sobre pactos com o diabo e maldições ancestrais. Já disse, a menina não era macumbeira, meu rapaz. A menina não via Senhor de ninguém nenhum alguém ou entidade do além. A menina cobiçava cada ato mais idiota de quem ela maltratava. Tonto é eu.

O vigário da pequena vila local, conhecido por suas habilidades exorcistas, foi chamado para purificar a alma atormentada de Isabella. Pra “resolver” a situação. Tem coisa que não tem muita solução. No caso, mais tarde se sabe que Isabella não teria final não. Ai, ai, ai, e o vigário, um homem austero e determinado, reuniu os aldeões para realizar um ritual de exorcismo na mansão dos Melo.

Enquanto os cânticos tidos como sagrados enchiam o ar, Isabella relinchava ferozmente, lançando maldições e profecias sombrias sobre todos os presentes. Em língua compreensível, gente, em língua pra que o bom cristão possa entender, e entende. Isabella era assim; o que importa é o dano, não o plano. A atmosfera tornava-se cada vez mais tensa, quando, de repente, um sujeito meio tosco, conhecido como Assis, adentrou a sala. Vestido com roupas surradas e rosto marcado pela vida difícil, Assis mal sabia o que estava acontecendo. "Moça, moça, quê quê tá acontecendo?"

Observando a cena, Assis percebeu algo além do comum na situação. Agindo por instinto, ele agarrou um crucifixo de madeira pendurado na parede e avançou em direção a Isabella. As palavras de resistência se transformaram em gritos agonizantes quando o crucifixo tocou a pele pálida da jovem.

Surpreendentemente, a entidade maligna que habitava Isabella foi afastada, deixando-a desfalecida nos braços de Assis. O vigário, chocado e agradecido, abençoou Assis como um instrumento divino naquela batalha entre o sobrenatural e o terreno.

A notícia da tragédia espalhou-se pela região, mas ninguém jamais soube a verdade sobre Isabella Melo. Sua morte foi marcada como uma maldição para alguns, enquanto outros viram na figura tosca de Assis a intervenção divina que salvou a todos de um destino ainda mais sombrio. A fazenda, agora envolta em mistério, permaneceu como um lembrete sinistro do passado, onde o sobrenatural se entrelaçou com o real no Brasil colonial do século XIX. E normalmente não se fala mais de Assis. Assis não se deu muito bem.

A coisa fica mais complicada e menos redonda, e para começar a entender isso Assis finalmente entendeu aquele dialeto "David Bowie". Isso significa que Assis viveu por séculos e não anos, isso significa que Assis foi condecorado com a maldição mais cruel que Jeová Deus já lançou sobre o ser humano, algo pior que expulsão do Paraíso, a marca de Caim, o destino de errar eternamente pelo mundo material, como uma criatura orfã, abandonada, discriminada, descontinuada, irrelevante, eternamente, perambulando. Seu único poder, a vida eterna, para ironizar a maior cobiça dos homens mesquinhos. Poucos, poucos existem desta estirpe. Assis não se deu muito bem.

Também morrer mesmo não morreria a criatura-guria. Eis que vos apresento, Larissa.

Deu-se um jeito o Universo de atrelar Assis com Larissa, numa espécie de paralela realidade onde a monstra realizasse seus desejos de tortura mas não trespassasse a barreira dos vivos, nunca mais, nunca. Mas isso de forma alguma faz uma entidade como Larissa, pessoa morta, assim como Assis também tinha seu propósito, no final das contas.

Assis era dotado da possibilidade de esquecer e novamente em Larissa confiar para conjurá-la e desta, vítima se consumar, e assim, renascer novamente n'outro contexto n'outro tempo n'outra vida sem ter a menor idéia de que, próxima vez que encontrasse Larissa, não seria a primeira vez, mas seria a mesma coisa, sempre, sempre, sempre, como uma anedota real sobre o equilíbrio de forças, talvez sobre o triunfo do mal, talvez sobre outras coisas. A amnésia de Assis foi a saída do Universo para triunfar na real. Satisfação plástica, tragédias, porém controladas e isoladas.

A perpétua dança - Cap 2;

A existência de Assis continuava a ser uma dança perpétua entre tempos e vidas, onde o fio da imortalidade se enroscava em cada passo, numa coreografia macabra orquestrada pelo próprio Universo.

A história se entrelaça agora com o som discordante de Tom Zé, que ecoava pelos campos de café como um lamento distorcido. Assis, perdido nas ondas do tempo, encontrava-se novamente no Brasil, mas não mais nas vastas plantações do século XIX. Os prédios altos e a agitação urbana revelavam uma São Paulo contemporânea, onde os ecos do passado se misturavam com as luzes neon da noite.

O destino tinha planos para Assis, assim como tinha para Larissa, que agora ressurgia como uma sombra nos becos escuros da cidade. Sua presença inspirava medo, mas também uma estranha atração, uma perversa dança entre vítima e algoz.

O mundo de Larissa, marcado por sua própria trama de tormento, entrelaçava-se com o de Assis. Ele, preso em sua própria maldição, encontrava-se novamente à mercê daquela que, de certa forma, era sua criação. Uma criação nascida da ganância, da crueldade e de uma distorcida busca por poder.

Os versos de Cassius Clay, o poeta, ecoavam nas entrelinhas da história, como socos diretos na consciência dos personagens. "Float like a butterfly, sting like a bee," sussurrava o vento, enquanto a dualidade de Assis e Larissa se desenrolava. A vida eterna, uma maldição vestida de promessa.

O encontro entre os dois seres amaldiçoados não era apenas um reencontro casual, mas sim uma sinfonia de horrores, uma dança interminável de morte e renascimento. A cidade pulsava ao som de um pesadelo silencioso, onde o poético se misturava com o grotesco.

Assis, com sua amnésia costumeira, não lembrava de suas múltiplas encarnações, mas algo em Larissa o atraía, como uma mariposa fascinada pela chama. Ela, por sua vez, parecia encontrar prazer na repetição de sua própria tragédia, como se cada ciclo fosse uma obra de arte macabra.

Os corredores sombrios da metrópole transformavam-se em palcos onde o surreal se materializava. A cada esquina, a história se repetia, com Assis perdendo a memória e Larissa emergindo das sombras, uma criatura insaciável.

O enredo não buscava moral, mas sim explorar os recantos obscuros da condição humana, onde a imortalidade se tornava uma maldição, e a busca por poder resultava em um ciclo eterno de sofrimento. Uma história horripilante e violenta, onde a licença poética revelava as entranhas da existência.

Ao fundo, o som vanguardista de Tom Zé ecoava, ecoava como uma trilha sonora dissonante para essa dança macabra. E enquanto as páginas se desenrolavam, o convite para estudar e trabalhar tornava-se uma nota dissonante na melodia sombria, uma tentativa de quebrar o ciclo vicioso que envolvia esses seres amaldiçoados.

O desfecho, ainda obscuro, aguardava na penumbra, como uma nota suspensa no silêncio da eternidade. A história continuava, uma narrativa intrincada onde as linhas do tempo se cruzavam, e a dança entre o passado e o presente persistia, como uma cicatriz na carne do Universo.

Fim do Capítulo II.

Capítulo Final: A Justiça do Infinito

A dança sinistra entre Assis e Larissa atingiu seu ápice, como uma tragédia grega encenada nas ruas sombrias de São Paulo. A cidade, testemunha silenciosa, observava o desenrolar de destinos entrelaçados, onde a imortalidade se transformara em um jogo sádico.

Os encontros entre Assis e Larissa eram agora eventos previsíveis, mas nem por isso menos perversos. Cada reencontro desencadeava uma repetição da mesma história, uma dança macabra que se desenrolava nos becos esquecidos pela luz da lua. O horror, entrelaçado com a inevitabilidade, criava uma narrativa sem esperança.

E assim, em uma noite em que a cidade estava mergulhada em sombras, Assis, perdido em sua amnésia, cruzou mais uma vez o caminho de Larissa. O tosco crucifixo, agora desgastado pelo tempo, pendia de seu pescoço como uma ameaça impotente. Larissa, por sua vez, emergia das sombras com um sorriso sinistro, consciente de que a dança continuaria.

O vigário, aquele que outrora abençoara Assis como instrumento divino, era agora apenas uma lembrança distante. A cidade, desprovida de redenção, era o palco de um espetáculo que não conhecia desfecho. A justiça divina, cruel como uma lâmina afiada, pairava sobre os protagonistas desse pesadelo eterno.

Numa reviravolta inesperada, um coro de vozes sombrias, uma sinfonia de almas condenadas, ecoou pelos becos. O próprio Universo, cansado dessa dança sem fim, decidiu intervir de maneira implacável. As sombras se materializaram, envolvendo Assis e Larissa em uma espiral de escuridão.

O poeta Cassius Clay, o boxeador-poeta que rimava nos ringues, sussurrou versos sombrios sobre justiça cósmica. A cidade tremeu diante da manifestação de uma força maior, uma entidade que transcendia o tempo e o espaço. Uma justiça divina que não conhecia piedade, apenas o inexorável equilíbrio das coisas.

Os olhos de Larissa, antes cheios de malícia, perderam seu brilho sobrenatural. Assis, incapaz de lembrar sua própria maldição, sentiu o peso de séculos sobre seus ombros. A espiral de escuridão os envolveu, consumindo-os como uma fogueira devora a lenha.

E assim, a dança chegou ao seu trágico fim. A cidade, aliviada do fardo da imortalidade entrelaçada com a maldição, viu as sombras se dissiparem. O Universo, implacável em sua justiça, tinha restabelecido o equilíbrio de uma forma cruel e irrevogável.

A frase generativa se ergue como uma sentença final, tecida nas páginas do destino: “Eis que o texto tecido não tem fim nem começo, para algumas algo não deveria ter sido, eu que não me esqueço, já fui garoto, repentista e delinquente, agora tenho medo, meu Deus, mas que dos outros, a justiça é a verdade que ecoa no abismo do eterno.”

Assim, a história se fecha poeticamente, revelando que, no universo sombrio do texto, a justiça, embora cruel, é a verdade que põe fim à dança macabra dos destinos entrelaçados.